O preconceito com o ato da adoção
diminuiu. Mas ele continua na linguagem do dia-a-dia. E na mídia. É o
que afirma, no post abaixo, a jornalista Germana Costa Moura, mãe de Roberto e Miguel.
Eu adoro falar e escrever sobre adoção. Frequento grupos de apoio,
escrevo em um blog sobre o assunto, participo (como ouvinte) de um fórum
virtual no Facebook, até uma espécie de cartilha para amigos que
querem adotar eu já produzi. Tudo muito informal, do meu jeito…. Não,
não sou especialista, nem advogada, nem psicóloga, nem assistente
social. Sou mãe – e ponto. E, antes que você entenda errado, destaco
aqui o meu ponto de vista: eu tento falar de adoção sem diferenciar a
adoção, sem sacralizar a adoção. Acho que a minha melhor contribuição é
exatamente essa: apenas a de mãe, uma mãe que tenta ser o mais normal
possível.
Quando me perguntam como é ser mãe adotiva, respondo: como
é ser uma mãe adotiva que se preocupa quando o filho tem febre? Como é
ser mãe adotiva e ficar exibindo as gracinhas dos seus filhos? Como é
ser mãe adotiva e tentar conciliar filhos e trabalho?
Tudo isso é para dizer o seguinte: acreditem ou não, somos
uma família normal. Igualzinha às outras. A diferença é que meus
filhos não foram gerados por mim e meu marido. Demoraram bastante para
chegar, houve processos, uma preparação, uma habilitação na Vara da
Infância. Mas, depois que chegaram, cadê a diferença?
Óbvio que a questão é trabalhada, que conversamos sobre
isso em casa, que tentamos explicar tudo aos nossos filhos de uma forma
amorosa para que eles cresçam sabendo a verdade sem traumas. Mas, os
nove meses que perdi sem gerar meus dois filhos são hoje um detalhe há
muito tempo superados pela quantidade de beijos, de abraços, de
broncas, de choros, de malcriações, de abraços, de soninhos no meu
colo, de banhos de banheira, de almoços demorados que já vivemos
juntos. Para mim o que me importa, é se meus filhos riem, se obedecem,
se ficam doentes, se dormem na hora (como seria bom se dormissem na
hora!), em resumo, se estão bem.
E é em nome dessa normalidade que fico assustada quando
vejo na mídia a adoção ser destacada como uma característica, um
diferencial. Quer um exemplo? Quando Chico Anísio morreu, alguns de
seus filhos deram entrevistas sobre o pai. Um deles, André Lucas, é
filho adotivo. É tão filho de Chico como os outros seis, tem o
sobrenome paterno, os mesmos direitos e inclusive até seguiu a carreira
artística. Mas nenhum jornal que eu tenha lido se referiu a ele
simplesmente como filho. Havia sempre o adjetivo ao lado. Para que? A
matérias eram sobre adoção? Totalmente desnecessário. Agora mesmo
pesquisando na Wikipedia para descobrir o nome exato desse filho em
especial, encontrei a descrição: “André Lucas de Oliveira Paula é um
humorista brasileiro, mais conhecido por interpretar Seu Aranha, o
“Puliça”, na Escolinha do Professor Raimundo entre 1993 e 2001. É filho
adotivo de Chico Anysio”. Se eu fosse o ator, tentaria mudar essa
definição no Wikipedia e na mídia em geral. Para irritar mais ainda,
dei de cara com este título em um site voltado para celebridades, a
respeito da morte do grande comediante: “Meu pai é feito Pelé, diz
filho adotivo de Chico Anysio”. (os grifo são meus)
Na minha visão, isso é preconceito da mídia. Não tem outra
explicação. O mesmo acontece com os fofos filhos de Marcelo Antony.
Quando o ator se casou com Carolina Villar, notei a seguinte legenda em
uma das fotos de revista de celebridade: “Francisco, 8 anos, filho
adotivo de Marcello Antony, chegou acompanhando o pai” (o grifo
novamente é meu).
E assim vai. Meus olhos treinados encontram preconceito e
exageros em toda a parte. Uma vez, em São Paulo, quase engasguei o
jantar quando apareceu na TV um comercial infeliz. Um pai revelava à
sua filha que não era seu pai “de verdade”. E ela respondia que tudo
bem, afinal o desconto da concessionaria de automóveis era de verdade.
Esqueci a marca do carro, mas merecia um boicote. Que ideia mais
idiota!!!
Nas novelas, nem preciso citar. “Fina Estampa” tinha o
terrível segredo de Tereza Cristina (interpretada por Cristiane
Torloni): ela era filha adotiva e era capaz de matar e chantagear para
esconder essa questão. Ok, é ficção, mas o que dirão nossos filhos
adotivos em contato com essa mensagem? A novela acabou e “Avenida
Brasil” estreou com novos casos de adoção — Jorginho, Rita/Nina, Iran e
Ágata. Adorei. Pensei: Taí uma chance de reposicionar a questão. E de
fato João Emanuel Carneiro, o autor, foi muito feliz, mostrando a
adoção tardia de Iran por Monalisa (já viram que sou noveleira, ne?) e a
de Rita pela família Argentina. Mas nos capítulos mais recentes eu
ficava desesperada de deixar meu filho na sala: a frase que eu mais
ouvia (aos berros pelo personagens) era: “eu sou seu filho de verdade”.
A menina Ágata, filha biológica de Carminha, mas adotada por Tufão,
comemorava ao descobrir que Jorginho era “filho de sangue” da Carminha:
“Então ele é meu irmão de verdade!”. Vem cá, Ágata, numa boa. Ele era
seu irmão de mentira???
É por aí. Como eu disse lá no começo desse texto, não
existe filho de verdade ou de mentira. Filho é filho e pronto. Com esse
texto, queria pedir a vocês para combater o preconceito que ainda
existe contra a filiação adotiva. Está nas entrelinhas… é um rótulo que
gruda e é difícil combater. Essa história de adotivo não tem
importância nenhuma. A melhor resposta foi dada pela filha de uma
querida amiga, uma menina linda chamada Helena, que hoje está na
adolescência e disse essa frase genial lá pelos seus dez anos por aí:
“Mãe, eu fui adotada, sim. Mas hoje sou filha”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário